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domingo, 20 de março de 2011

Paulo testifica de Cristo em Roma - Parte 2

Paulo Viaja para Roma (Atos 27:1-
12)
Como peça literária, esta história descritiva da viagem e naufrágio nos
mostram Lucas no ápice, sendo um clássico de sua espécie na literatura
antiga. Lucas tem sido acusado de inventar essa história, ou de pelo menos
haver adaptado um conto já existente, para seus propósitos pessoais.
Todavia, James Smith há muito tempo demonstrou que a precisão da
narrativa, em termos de geografia, condições atmosféricas e arte de
navegação é de tal ordem que não poderia ser outra coisa senão
O registro de uma viagem real (p. xxxii), enquanto o emprego da
primeira pessoa é indicativo genuíno de que a viagem foi feita na
companhia do próprio autor.
O prazer do viajante em relatar aventuras, e o fato de as histórias a
respeito de naufrágios serem coisa da moda nos dias de Lucas, seriam
suficientes para explicar a extensão da narrativa. Todavia, a estas sugestões
poderíamos acrescentar mais uma, a de que Lucas tinha em mente a crença
popular segundo a qual o mar se vinga dos perversos (cp. 28:4) e que, por
isso, Lucas teve um prazer especial ao contar uma história de livramento.
Mas é possível, ainda, que Lucas estivesse criando um paralelismo com o
relato do evangelho (veja a disc. sobre 19:21-41), e que ele houvesse
narrado a história pormenorizadamente como correspondendo à história da
morte e ressurreição de Jesus (usando a tempestade e a segurança de Malta).
Entretanto, seja qual for o motivo propulsor de Lucas, deixou-nos ele uma
história maravilhosa da "misericórdia que nos acompanha", sem a qual Paulo
jamais teria chegado a Roma.
27:1 / Se Festo houvesse chegado à Judéia no começo do verão do ano
cm que tomou posse (digamos, no ano 59 d.C), talvez Paulo tenha sido
colocado a bordo do navio no fim do verão ou no outono desse mesmo ano.
Observe-se que se reinicia o relato na primeira pessoa do plural (ocorre pela
última vez em 21:18), e a inclusão um tanto displicente que Lucas faz de si
próprio na decisão das autoridades romanas de enviar os prisioneiros a
Roma. Esta decisão não dizia respeito só a Paulo, embora 0 grego de Lucas
possa estar fazendo distinção entre o apóstolo e os demais (num sentido
muito estrito, a palavra significa "outros de natureza diferente"; teriam já
sido condenados? ). Os prisioneiros foram colocados sob a guarda de uma
escolta comandada por um centurião chamado Júlio, da corte augusta
(NIV traz "do Regimento Imperial"). Essa escolta tem sido identificada como
a Corte I Augusta, um regimento que, segundo inscrições, esteve na Síria após
o ano 6 d.C, e na Batanéia (Basã, a leste da Galiléia) no tempo de Herodes
Agripa II (cerca de 50-100 d.C). É possível que um destacamento dessa
corte se houvesse aquartelado na Cesaréia. As obrigações atribuídas a Júlio
normalmente cabiam aos centuriões.
27:2 / A rota mais usada para ir a Roma passava por Alexandria, mas
nessa ocasião Júlio conseguiu passagens para seus homens num navio de
Adramítio, que estava prestes a navegar em demanda dos portos da
costa da Ásia. Num desses portos tinham certeza de encontrar um navio de
partida para Roma ou, em não havendo nenhum, descobririam meios em
Adramítio de chegar à Grécia, atravessá-la e chegar assim à Itália.
Adramítio era metrópole da região da Mísia, na província da Ásia, situada no
golfo que lhe dera o nome (veja a disc. sobre 20:13). Lucas acrescenta que
Aristarco, macedônio, de Tessalônica, estava com eles. Havia sido um dos
delegados que acompanharam Paulo a Jerusalém (20:4; cp. 19:29), que
talvez agora estivesse regressando à Macedônia, intencionando despedir-se
de Paulo e Lucas em algum ponto da viagem. Por outro lado, ele é
mencionado em Colossenses 4:10 e em Filemon 24 como tendo estado com
Paulo em Roma. É possível, portanto, que ele houvesse acompanhado os
irmãos nessa viagem, embora não seja mencionado mais em Atos. Ramsay
pensa que Aristarco e Lucas devem ter-se considerado "escravos" de Paulo, a
fim de poder permanecer com o apóstolo (Paul, p. 316). Todavia, este navio
não era militar, para transporte de tropas, não havendo razão para supormos
que esses dois companheiros não houvessem comprado suas passagens
como viajantes normais. Ehrhardt (p. 124) toma literalmente a descrição que
Paulo faz de Aristarco em Colossenses 4:10, como quem "está preso
comigo", e supõe que tenha sido remetido a Roma, com Paulo, para
julgamento.
27:3 / O primeiro porto a que chegaram foi Sidom, a mais de cem
quilômetros de Cesaréia e a cerca de quarenta quilômetros ao norte de Tiro.
Embora já houvesse visto melhores dias, esta antiga cidade ainda florescia
sob o domínio romano. Tinha agora uma (pequena) comunidade cristã (cp.
11:19), evidentemente conhecida de Paulo desde tempos anteriores (11:30;
12:25; 15:3), e o centurião permitiu a esses crentes que visitassem Paulo na
praia, concessão habitual; poderíamos aceitar a sugestão de que o grego
deveria ser traduzido "permitiu que seus amigos o visitassem" a bordo. Seja
como for, aos crentes sidônios foi permitido que cuidassem dele — talvez
com alimentos e outras ofertas para a viagem. Caso Paulo fosse à praia, é
evidente que iria escoltado.
27:4-5 / O navio se fez ao mar de novo, navegando para leste e depois
para o norte de Chipre, a fim de evitar os ventos de oeste e de noroeste do
verão e início do outono. Dois anos antes esses ventos ajudaram Paulo a
atravessar bem, até o lado oposto (21:2s.). Mantendo-se próximos da costa,
tiravam vantagem dos ventos praianos e da corrente que vai para o oeste.
Assim foi que o navio navegou devagar ao longo da costa da Cilícia e da
Panfíüa, até chegar a Mirra, na Lícia (v. 5). De acordo com o texto
ocidental, esta parte da viagem demorou quinze dias, o que seria razoável
(cp. Luciano, Navigium 7). Mirra situava-se no rio Andraco, a cerca de cinco
quilômetros do mar. Seu porto chamava-se Andriaca, mas o uso comum
incluía o porto de Mirra, como Lucas faz aqui. Sob os romanos, quando
Lícia era uma província separada, Mirra era sua capital (veja a disc. sobre
13:13).
27:6 / Aqui o centurião encontrou um navio de Alexandria com
destino à Itália, e para ele mandou transferir os prisioneiros. Lucas não
menciona o tipo de navio, mas o fato de ele ter saído do Egito a caminho da
Itália, e que sua carga era trigo (v. 38, mas cp. v. 18), indica que pertencia a
uma frota de navios de cereais a serviço do governo. Nada há a estranhar
que um navio assim estivesse em Mirra. Por causa da direção dos ventos
contrários (veja v. 4), os navios de cereais egípcios regularmente seguiam
essa rota a fim de obter espaço marítimo e aproveitar os ventos direcionados
para o ocidente.
27:7-8 / Parece que de fato os ventos contrários sopravam quando o
navio saiu de Mirra. Foi, portanto, com dificuldade que tomaram o rumo do
oeste, devagar, até chegarem a certo ponto defronte de Cnido. No quarto
século a.C. esta cidade, que anteriormente situava-se mais longe, a leste, na
península de Cnido, havia sido fundada de novo na ponta ocidental do
promontório (o ponto mais longínquo a sudoeste da Ásia Menor). Além
desse ponto eles não usufruiriam mais a proteção da terra, nem a ajuda dos
ventos e correntes marítimas locais. Poderiam ter parado em Cnido a fim de
aguardar condições melhores, mas decidiram continuar, confiantes em que
chegariam à Itália antes do término da estação propícia às viagens
marítimas.
O vento de fato impediu-os de chegar direto à ilha de Cítera, ao norte
de Creta, como talvez houvessem desejado. O único rumo era, então, o sul,
antes que o vento noroeste soprasse, e velejar a sota-vento de Creta (v. 7).
Assim foi que o navio rodeou o cabo Salmone, um promontório na face
oriental da ilha (Cabo Sídero? ) e, a seguir, retomou o rumo do oeste com
dificuldade, até chegar a um lugar chamado Bons Portos, na costa centrosul
de Creta, a três quilômetros a leste do cabo de Matala (v. 8). Este
ancoradouro (conhecido ainda por esse nome) abre-se para o leste e sudeste,
parcialmente protegido por várias ilhotas. Tal ancoradouro lhes teria servido
de abrigo durante algum tempo, visto que a oeste do cabo de Matala ergue-se
o continente ao norte, e assim eles estariam de novo expostos ao vento
noroeste. Todavia, no inverno o lugar chamado Bons Portos de modo algum
faz jus ao nome. Na melhor das hipóteses teria sido inconveniente; na pior
delas, perigoso, visto que os ventos de leste e noroeste nessa estação sopram
diretamente na baía. Lucas acrescenta que Bons Portos ficava perto da
cidade de Laséia, que foi identificada numas ruínas a oito quilômetros de
distância, a leste (pode ter sido a Lasos, mencionada por Plínio, Natural
History 4.59; ocorre que nem Laséia nem Bons Portos são mencionados na
literatura antiga).
27:9 / Aqui lançaram âncoras durante muito tempo à espera de
condições atmosféricas melhores. Quanto mais esperavam, mais perigoso
ficava prosseguir viagem, porque já era quase fim de ano. Entre os antigos,
a estação perigosa para a navegação estendia-se de setembro a começos de
novembro (cp. Vegetius, De re Militari 4.39; Hesíodo, Works andDays
619); depois, só se faziam as viagens mais urgentes em mar aberto, cessando
as demais, até a primavera. Todavia, o dia da expiação já havia passado, e
esse fato teria levado Lucas e Paulo a observar o jejum que marcava aquele
dia para os judeus (veja a disc. sobre 13:2-3). O dia da expiação caía no
décimo dia de Tisri, o sétimo mês do ano judaico, correspondente em parte a
setembro e outubro. Visto que o calendário judaico baseava-se na lua, a
posição do mês variava de ano para ano, mas em 59 d.C. a data do jejum
teria sido 5 de outubro, e como essa data já havia passado estavam
avançados no mês de outubro com pouquíssimo tempo disponível para a
navegação em segurança.
27:10 / Houve alguma discussão, portanto, quanto a se deveriam
enfrentar o inverno em Bons Portos, ou tentar encontrar um lugar melhor onde
fundear. Paulo apresentou sua contribuição ao debate advertindo as
autoridades a que permanecessem onde estavam. Suas palavras, vejo que a
viagem será desastrosa poderiam indicar um prenuncio dado por Deus (cp.
vv. 21-26), mas não é preciso que as interpretemos como sendo mais do que
simples prenuncio ditado pela experiência. Paulo era um viajante
experimentado (cp. 2 Coríntios 11:25), sendo por essa razão, sem dúvida,
que se lhe pediu a opinião, ou se nada lhe foi pedido, pelo menos foi levada
em consideração. Não fica bem claro se ele fazia parte do grupo de discussão,
ou se fez que sua opinião fosse ouvida através do centurião. O caso é que sua
opinião deveria ter sido acatada. Porém o caso não se tornou tão mau como
ele havia esperado, não havendo perda de vidas.
27:11 / Lucas nos dá a impressão de que a decisão final ficou com o
centurião; os comentaristas têm suposto que assim teria sido porque o navio
estava a serviço do governo. Todavia, Lucas poderia estar dizendo apenas que
o centurião atendeu à opinião dos marinheiros, cuja opinião afinal ficou
valendo. Outras considerações teriam sido feitas, além das condições
atmosféricas, como a dificuldade para abastecer o navio em Bons Portos,
havendo apenas uma pequenina cidade a oito quilômetros de distância (veja
a disc. sobre o v. 8). Quais teriam sido as posições relativas aos dois
marinheiros mencionados neste versículo, não ficou bem claro. Um deles
poderia ter sido o dono (como dizem NIV e ECA), mas a palavra não denota
necessariamente a posição de proprietário; ele poderia ter sido o capitão, e o
outro, o piloto, ou navegador.
27:12 / Finalmente decidiu-se que deveriam tentar chegar a Fênice.
Algumas informações dadas por Strabo (Geography 10.4) e Ptolemeu
(Geography 3.17) parecem indicar que Fênice ficava no cabo Mouros, no
sul de Creta, em que Lutro é o único porto de segurança; isso se enquadra
bem na descrição dada por esses autores. Aqui uma península lança-se na
direção do sul, com um braço que se estende para o leste, formando um
porto totalmente protegido ao norte, a oeste e ao sul. Uma única dificuldade
permanece na descrição que Lucas faz desse porto com Fênice, que é a
seguinte: a descrição de Lucas faz o porto ficar de face para o nordeste e
para o sueste, e se enquadra melhor com a baía voltada para o oeste, até hoje
conhecida como Fineca através da península, desde o porto de Lutro. Os
comentaristas modernos têm encontrado dificuldade em aceitar Fineca como a
Fênice desta narrativa, por ser um porto muito mais pobre do que Lutro. Mas
exames recentes da área sugerem que houve mudanças no contorno do
litoral, desde que Lucas escreveu Atos. A baía ocidental já foi bem protegida,
mas fenômenos naturais (terremotos) alteraram a topografia e cobriram uma
enseada que se abria para o noroeste nos tempos clássicos. Ainda há uma
enseada que se abre para o sudoeste e, considerando que os ventos de
inverno vêm do nordeste e do leste, qualquer dessas enseadas ofereceriam
abrigo razoável a um navio. Entretanto, esse mesmo vento contra o qual
buscavam proteção removeria esse abrigo deles e levaria o navio à
destruição.


Novo Comentário Bíblico Contemporâneo ATOS David J. Williams

EBDistas

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