Chegada a Roma (Atos 28:11-16)
28:11 / De acordo com Plínio, o velho, a estação do inverno, em que
os mares estavam fechados à navegação, encerrava-se a 7 ou 8 de fevereiro.
Podemos supor, então, que a estada dos viajantes de três meses em Malta
encerrou-se ao redor desses dias. O navio em que reencetaram a viagem
também era alexandrino, talvez outro navio cerealista, possivelmente
empurrado a essa ilha pela mesma tempestade que trouxera Paulo e os
demais a suas praias. Tinha por "insígnia" Castor e Pólux, os deuses
gêmeos. Pode ser correto dizer com GNB que o navio era chamado por esse
nome, mas a expressão talvez se referisse a uma figura de proa (como diz
NIV). Cirilo de Alexandria nos conta que seus patrícios tinham o hábito de
ornamentar cada lado da proa com figuras de deidades. Neste caso, eram os
dois filhos gêmeos de Zeus e Leda, Castor e Pólux, os "santos patronos" dos
navegadores do mundo antigo. A menção deste pormenor irrelevante é sinal
seguro de que temos aqui uma testemunha ocular.
28:12 / O navio levou-os primeiro a Siracusa, a capital romana da
Sicília, , cobrindo uma distância de cerca de cento e quarenta e quatro
quilômetros a partir de Malta. Ali permaneceram três dias, à espera, talvez,
do vento do sul.
28:13 / Há alguma incerteza no texto grego a respeito deste versículo.
Uma texto de boa aceitação diz que eles "fizeram um círculo" até Régio, o
que é estranho, visto que Régio ficava em linha reta, partindo de Siracusa.
Talvez seja um termo do jargão náutico. Diz Ramsay que talvez não soprasse
o vento pelo qual esperavam, mas "mediante boa técnica de navegação
conseguiram chegar a Régio" (é assim que ele traduz a passagem; Paul, p.
345). A interpretação alternativa, encontrada em manuscritos alexandrinos,
diz simplesmente que "eles partiram". Chegaram, pois, a Régio, a cerca de
cento e dez quilômetros de Siracusa, até à praia italiana do estreito de
Messina. Régio devia sua importância à dificuldade de navegar-se no
estreito (que se dirá do sorvedouro de Charybdis e da rocha de Scylla? ),
de modo que os navios tinham de esperar em seu porto até que houvesse
um vento sumamente favorável, vindo do sul. Agora as coisas correram bem
para os viajantes porque soprou no dia seguinte vento sul, e puderam fazer a
viagem de duzentos e noventa quilômetros até Putéoli em apenas dois dias.
28:14 / Putéoli (a moderna Pozzuoli), na baía de Nápoles, na época
era o porto mais importante da Itália. Era o principal terminal dos navios
cerealistas alexandrinos, e também para os de passageiros, vindos do
oriente e do ocidente, a caminho de Roma. Aqui, queixava-se Juvenal, "o
Orontes sírio primeiro vomitava suas gentes a caminho do Tibre romano"
(Satires 3.62; veja a disc. sobre 11:19). E foi aqui que se encontrava um
grupo de cristãos. São descritos simplesmente como irmãos, mas pode-se
pressupor serem cristãos distintos, portanto, dos judeus do v. 17, a quem
Paulo se dirigiu chamando-os também de "irmãos". E provável que a igreja
de Putéoli tivesse raízes na Alexandria, visto que o comércio entre ambas as
cidades era considerável. A ausência do artigo definido no grego,
"encontramos irmãos" (lit), indica que o autor não tivera conhecimento da
presença deles de antemão. É possível que Paulo os houvesse encontrado em
suas andanças pelas sinagogas, e novamente recebeu demonstrações de
bondade pelo comandante Júlio, que lhe permitiu ficar com eles por sete
dias. A demora de uma semana em Putéoli explica-se melhor pelo fato de
Júlio ter de relatar sua chegada e receber ordens de seus superiores em
Roma.
A declaração simples no final do v. 14, E assim nos dirigimos a
Roma, não só marca a conclusão da narrativa da viagem, como representa
efetivamente o clímax do livro todo. É como Bengel há muito tempo
observou: "Eis a vitória da palavra de Deus: Paulo em Roma, o clímax do
evangelho, a conclusão de Atos". O v. 15 não passa de um adendo em que
se mencionam alguns pormenores da viagem curta, por terra, à capital. Na
verdade, todos os demais versículos do livro podem ser considerados sob
esta luz, um simples polimento do v. 14, mostrando a maneira como o
evangelho foi pregado em Roma, como havia sido primeiro "em
Jerusalém", depois "em toda a Judéia e Samaria" e em todos os demais
lugares, de tal modo que havia chegado aos "confins da terra" (1:8). A rota
dessa parte final da jornada talvez os levasse pela via Campana a Cápua,
cerca de trinta e dois quilômetros de Putéoli. Aqui, teriam tomado a via
Ápia, "a estrada batida, conhecidíssima, a rainha das estradas" (Statius,
Silvae 2.2.12), pela qual completaram os faltantes cento e noventa e dois
quilômetros até Roma.
28:15 / Os cristãos da capital haviam recebido as notícias da chegada
de Paulo — fosse porque ele próprio havia enviado recados, ou fosse
porque os cristãos de Putéoli o fizeram — o fato é que um grupo deles se
reuniu e saiu para encontrar-se com os viajantes (cp. Romanos 16:24). Houve
dois grupos. Um encontrou-se com os viajantes antecipadamente, na Praça de
Ápio (Fórum Appii), e o outro grupo em Três Vendas (Três Tabernae). A
primeira dessas duas localidades fica a cerca de setenta quilômetros de
Roma. Horácio afirmava que os viajantes cobriam essa distância da capital
ao Fórum Appii em um dia, embora ele próprio preferisse fazê-lo em dois.
Sua opinião da cidade não era lisonjeira, pois descrevia-a como "entupida de
barqueiros e fedorentos taberneiros" (Satires 1.5.3-6). A cidade ficava no
terminal norte de um canal que ligava os pântanos pontinos a Ferônia; os
barqueiros de que Horácio se queixava faziam o transporte de passageiros em
barquinhos puxados por mulas ao longo do canal. A via Ápia corria
paralelamente ao canal, pelo que o centurião e sua comitiva teriam viajado
pelo canal ou pela estrada. A incerteza quanto ao caminho que haveriam de
tomar sem dúvida fez os cristãos esperá-los onde estavam esperando. A
outra cidade, Três Vendas, era também um lugar de parada, a cerca de
cinqüenta e três quilômetros de Roma. Pode ser que as três tabernae de seu
nome teriam sido hospedadas, porém não necessariamente. Taberna em
latim é qualquer tipo de loja. Aqui os viajantes encontraram-se com o
segundo grupo de cristãos. Isto foi prova de que havia pessoas em Roma que
não se envergonhavam do evangelho nem de Paulo, prisioneiro por amor de
Cristo, o que levou Paulo a dar graças a Deus, e a receber disso grande
conforto.
28:16 / Como o texto se nos apresenta, temos apenas uma breve nota
sobre a chegada de Paulo a Roma, sendo-lhe permitido morar numa casa
particular sob a guarda de um soldado. O texto ocidental, porém, acrescenta
um pormenor interessante, segundo o qual o centurião entregou os
prisioneiros agrupados ao "comandante" (gr. stratopedarch). Ainda que esse
adendo não fizesse parte da narrativa original de Lucas, pode refletir uma
tradição genuína. Não é improvável que Júlio de início houvesse ido à
Castra Praetoria, o campo dos Pretorianos. Nesse caso, o comandante em
questão pode ter sido Afrânio Burrus, que morreu em 62 d.C. É
extraordinário que antes e depois dele houvesse dois comandantes (Tácito,
Armais 12.42; 14:51), enquanto o singular neste texto pode refletir o fato
de que Burrus ocupava esse cargo sozinho. É claro que a referência pode
relacionar-se ao comandante a cargo dos prisioneiros, independentemente de
haver ou não um colega (mas veja Sherwin-Whi-te, p. 110).
Se na verdade os prisioneiros foram levados à Castra Praetoria, que
ficava depois dos muros a noroeste da cidade, teriam atravessado toda a
cidade, tendo entrado pela Porta Capena, ao sul. Teriam tido, pois, a
oportunidade de observar o que Plínio, o velho, dissera (mais ou menos
nesta época) da cidade que excedera em tamanho todas as cidades do
mundo (Natural History 3.66s.), e teriam experimentado, nas palavras de
Horácio, "a fumaça e a riqueza e o barulho de Roma", a capital e eixo do
império.
Novo Comentário Bíblico Contemporâneo ATOS David J. Williams
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